segunda-feira, 21 de março de 2011

Elas saíram da pobreza e construíram impérios

Entre os empreendedores do Brasil, as mulheres já são maioria. Hoje, são 18,8 milhões de brasileiros à frente de negócios com menos de quatro anos, segundo a Global Entrepreneurship Monitor. Desses, 53% são mulheres. Isso significa que existem milhões de brasileiras neste momento tentando mudar sua vida e a de suas famílias abrindo salões de cabeleireiros, pequenos comércios, confecções, clínicas e empreendimentos mais ousados.

Sylvia, Carla e Zica são três mulheres que também começaram assim. Em comum, elas têm a origem pobre, o trabalho duro, e o empreendedorismo. Hoje, têm também negócios que faturam milhões de reais por ano.

Conheça a história de três brasileiras que vieram da pobreza e se tornaram milionárias através do próprio trabalho. 



Para ficar linda, ela ficou rica

“O teu cabelo não nega, mulata.” O verso de Lamartine Babo é politicamente incorreto para os padrões de hoje, mas desde os anos 1990, Heloísa Helena Belém de Assis, a Zica, 50, não queria disfarçar seus crespos. “Nasci na Tijuca, na comunidade de Catrambi. Venho de uma família muito humilde. Comecei a trabalhar com 9 anos.” Filha do meio na fileira de 13 do pai biscateiro e da mãe lavadeira, Zica começou fazendo entregas de roupa lavada. “Sou a do meio, seis acima e seis abaixo”, se diverte.
Hoje, ela é dona da Beleza Natural, rede de salões de beleza especializada em cabelos cacheados. Zica não fala em números, nem gosta de expor seu endereço atual, um espaçoso apartamento em uma área nobre do Rio, onde mora com os filhos Junior, Jefferson e Claudineia, além da neta de quase dois anos.  Mas sua rede, que começou num fundo de quintal, faturou R$ 19 milhões em 2005, último ano em que números oficiais foram divulgados. De 2005 para cá, o número de clientes dobrou – hoje são 70 mil. A rede se expandiu e onze unidades, nove no Rio, uma no Espírito Santo e outra na Bahia. Junto com a fábrica, a rede emprega 1.300 pessoas. O preço dos kits de produtos varia entre R$ 38,90 e R$ 51,50. A aplicação de Super-Relaxante, carro chefe da empresa, varia entre R$ 67,90 e R$ 87,90. 

Antes de pensar em ter um negócio, Zica fez de tudo um pouco, sempre lidando com clientes. Vendeu roupas íntimas e cosméticos de porta em porta, por exemplo. Casada e já com filhos, para segurar a renda, foi babá e fazia faxina em mansões “grandiosas” no Alto da Boa Vista. 

Mas tinha uma preocupação: sempre reclamou que trabalhar com público com cabelo sem tratamento não dava. E não queria perder suas características correndo para o alisamento, o que era comum. “Meu sonho era ter o cabelo balançando, sem tirar a originalidade dele. Era complicado trabalhar com o cabelo assim, volumoso e ressecado”, conta. As patroas não gostavam, mas Zica não queria alisar. “Quem queria empregar quem tinha o cabelo assim, enorme? Era grande, alto, um bolo de cabelo. As pessoas associavam a sujeira, desleixo.” Zica fez alisamentos uma vez, para nunca mais. Aos 14 anos, odiou o resultado e o cabelo que sofreu com a química pesada. “Os fios ficaram finos, quebradiços, o cabelo não crescia como tinha que crescer.” Ela cortou e voltou para o estilo “Black power”, à moda dos anos 70.

Curso de cabeleireiroEntre uma e outra faxina, se inscreveu no curso de cabeleireiro na paróquia São Camilo de Lellis, a igreja da comunidade onde vivia. Passou um mês aprendendo a conhecer e lidar com seus fios. “Aos 21 anos, fui fazer o curso e aprendi tudo que o mercado oferecia. Queria achar solução para meu cabelo, não fui atrás para trabalhar com isso. Queria saber como era o meu fio”, conta. “Eu era fissurada nos meus cachos e me negava a passar esses produtos para alisar.”
Foto: Divulgação
Zica à frente de um de seus onze salões, que atendem 70 mil clientes por mês


Ela começou a misturar materiais em busca da fórmula perfeita, que garantisse cachinhos cheios de movimento. Conversando com fornecedores, conseguiu matéria-prima para fazer experiências, misturou cremes que já existiam no mercado, testou tudo que havia para cabelos crespos. “Levei dez anos para chegar na fórmula do Super Relaxante”, conta. “Com meu creme, o cabelo começou a pentear mais macio, a maleabilidade era melhor, passou a ficar com balanço. Mexeu com minha autoestima e com a das pessoas da comunidade”, lembra Zica. Na prática, nunca trabalhou como cabeleireira em outros salões. “No máximo cortava cabelo da minha irmã ou da minha mãe.”

Cachos com senhaO próximo passo foi abrir um salão de fundo de quintal, na Tijuca, em 1993. O único bem da família era um Fusca, que ela convenceu o marido a vender para poderem começar um negócio. “Ele sabia do meu cabelo, ele viu minha necessidade. Ele acabou vendendo o carro e abrimos o salão”. Era uma casa de dois cômodos, “de mais de 100 anos”, lembra Zica. Em pouco tempo, o boca-a-boca e a divulgação com folhetos garantiram filas na porta que viravam na esquina antes do salão abrir. A solução foi colocar um sistema de senhas (que continua até hoje), para tentar atender ao maior número possível de pessoas. A procura pelos produtos era enorme também: clientes vinham com potes de maionese e margarina para levar os xampus e condicionadores para casa. 

“O salão abria às 8h da manhã e às 5h já tinha fila, com dezenas de pessoas”, conta Zica. “A gente não tinha espaço suficiente para atender essa quantidade de clientes. A essa altura, Zica já tinha chamado sócios: além do marido, vieram Rogério, irmão dela, e Leila Velez, que tinha trabalhado com Rogério no McDonald’s. “Ela tinha esse dom, e visão de como a gente tinha que crescer. Nós começamos a terceirizar a produção, patenteamos a fórmula”. 

Linha de produção 
“Foi um sucesso, porque o produto não existia. Todo mundo queria, nosso mercado não oferecia e também não tinha nada importado”, diz Zica. Ela ficou na operação do salão, seu marido na contabilidade e seu irmão saiu do McDonald’s para trabalhar no Beleza Natural. “Logo depois veio a Leila trazendo o marketing. Com seis meses ela entrou, porque ela tinha uma visão muito boa de como divulgar o negócio.” Eles levantaram que os clientes vinham de várias partes do Rio: Caxias, Jacarepaguá, Nova Iguaçu, Madureira, Niterói. “Vimos que estava na hora de crescer para esses lados e abrimos a primeira filial”. Em 2004, os sócios abriram a própria fábrica, a Cor Brasil Cosméticos. 
Foto: DivulgaçãoAmpliar
Zica ao lado da sócia, Leila
A sócia Leila, hoje presidente da empresa, também começou cedo,  aos 10 anos, fazendo entrega de roupas lavadas pela mãe e venda de cosméticos porta a porta. Aos 14 anos, entrou para o McDonald’s. Com 16, se tornou a gerente mais jovem da rede. “Precisamos até pedir uma autorização especial da matriz”, conta. Aos 19, entrou para a sociedade de Zica para trazer know-how dos empregos anteriores e criar coisas novas, que refletissem seu modo de ver o mundo – algo impossível de fazer numa empresa do porte de uma multinacional. “Acompanhei quando a Zica desenvolveu o produto, e veio muito a calhar a sociedade”, conta. 

Elas instituíram uma “linha de produção” no salão, em que cada profissional se especializa em uma das sete etapas do tratamento. Fica mais rápido para a cliente mais barato para o salão. Leila migrou da faculdade de Direito para uma de administração, e daí em diante, voltou toda a carreira acadêmica para o negócio crescer. “É toda uma rede de contatos, e chances de aprender com os erros e acertos de outras empresas”, diz a sócia da Beleza Natural

A favela ficou para trás. Todo ano, as sócias viajam para a Cosmoprof, maior feira mundial de cosméticos, que acontece na Itália, para se atualizarem e sondar oportunidades no mercado. Aliás, Zica acaba de entrar em uma faculdade, onde cursa decoração. Mas confessa que já precisou matar aula para ir à feira de cosméticos. 

A empresária faz questão de reproduzir oportunidades de crescimento: 70% dos funcionários são clientes da rede. “São meninas que se espelham pela minha história de vida, e vêem que podem chegar lá. Quem mais pode entender o que quer um cliente que tem o cabelo crespo?”

Fantasia de mulher-gato traz fama e dinheiro a comerciante

Quando conseguiu seu primeiro emprego em São Paulo, como empacotadora no departamento de brinquedos de uma loja, ela precisou fazer um crachá onde constaria seu nome. O verdadeiro é Josefa. O problema, segundo ela, era que este nome não serviria para seu objetivo de vida: destacar-se. Então, ela escolheu Sylvia. Por que com “y”? “Eu achei que era diferente, como eu. Nunca quis ser igual aos outros”, afirma Sylvia Araújo, ou melhor, Sylvia Design.

“As pessoas me chamam de Sylvia Design. O nome das minhas lojas virou o meu. Eu adoro. Significa que todo mundo conhece minha empresa. Afinal, são meus clientes e meus fãs que fizeram de mim o que sou hoje”. E olha que não é pouca coisa. A empresária tem seis mega-lojas em São Paulo, que atendem mais de três mil clientes por mês, e é uma “máquina de vender móveis”, como todos que convivem com ela a definem. No último “bota-fora” feito pela loja, todos os móveis poderiam ser pagos em até 12 vezes. Um jogo de sofá ou uma mesa de jantar com seis cadeiras custavam R$ 2.388,00, por exemplo. Já uma mesa com quatro cadeiras para varanda era vendida por R$ 1.788,00.
Mas a vontade de se destacar termina na hora de revelar seu faturamento – a cearense nunca revelou quanto ganha com sua empresa, e nem pretende mudar de ideia. Entre as condições para conceder uma entrevista ao iG, estavam a de não revelar detalhes do apartamento em que vive, um imóvel de luxo em localização improvável da zona norte de São Paulo; nem de outros de seus bens, como o automóvel de mais de R$ 300 mil que ela mesma dirige para ir trabalhar.
Sylvia foge da palavra “rica”, como de qualquer revelação sobre seu patrimônio. “Não uso a palavra ‘rica’. Eu acho que sou uma empresária muito bem-sucedida. Mas eu ralei muito para conquistar tudo que tenho. Comecei do nada e trabalhava de domingo a domingo. Agora posso parar na sexta-feira. Começo a ter condições de curtir um pouco a vida. Não sou deslumbrada. Não compro nada só porque tem marca”.
Foto: Amana Salles/FotoarenaAmpliar
Sylvia durante a gravação de um dos comerciais de sua rede
Sempre atenta a uma câmera de TV, não esconde que adora aparecer. “Eu gosto de dar autógrafos e de tirar fotos. Amo ser reconhecida nas ruas”, diz. A rotina de “celebridade” vivida por Sylvia hoje contrasta, e muito, com seu passado. “Como alguém que andava no lombo de um jegue porque não tinha outra opção poderia imaginar que iria ter uma rede de lojas e ficar famosa? Comprar um carro, por exemplo, não passava pela minha cabeça. Nem carteira de habilitação eu achava que iria tirar um dia”, diz.

Tem que pensar como ‘patrão’

A história de vida desta nordestina é daquelas difíceis de acreditar. A comerciante nasceu em um sítio de pequena cidade de Barro, no Ceará. “Hoje a cidade tem mais de vinte mil habitantes, mas na época que eu vivia lá eram só oito mil”. Sylvia faz questão de reforçar a ideia de que jamais se esqueceu ou teve vergonha de sua origem. Mas não esconde uma certa tristeza quando relembra o sofrimento do pai, que trabalhava na roça para sustentar os sete filhos. “Nunca faltou comida em casa, mas éramos muito pobres. Meu pai trabalhava de sol a sol para que eu e meus irmãos tivéssemos o que comer. Eu sempre quis dar uma vida melhor para meus pais e hoje eu consegui. Meu pai tem cuidados médicos 24 horas por dia”, diz.
É visível a gratidão da empresária pela criação que recebeu. Ela conta que dentro de sua casa honestidade não era qualidade, e sim uma obrigação. “Tiro uma semana de férias a cada seis meses para visitar meu pai no Ceará. Durante este tempo eu só me dedico a ele”.
Ela veio para São Paulo quando tinha 16 anos para ajudar uma irmã. A viagem do Ceará para a capital paulista foi bem longa. Durante três dias e duas noites alimentou-se apenas de frango assado com farinha no ônibus.
Logo que chegou, arrumou o primeiro emprego, empacotando brinquedos. De lá, Sylvia seguiu para lojas do ramo moveleiro. Não saiu mais. Depois de dezessete anos como gerente de vendas, muitos deles numa loja que viria a se tornar sua concorrente no futuro, a empresária conseguiu comprar seu primeiro apartamento e depois começou a poupar para algo mais ousado. Quando a poupança atingiu a quantia de oito mil reais resolveu que iria deixar um bom emprego com salário estável para abrir o seu próprio negócio.
Foto: Amana Salles/FotoarenaAmpliar
Cabelo e maquiagem para encarnar a Sylvia Design
“Eu fui gerente durante anos e já entendia muito do ramo. Todos os fornecedores me conheciam e acabei usando isso para abrir o meu próprio negócio. Eu sempre falo para os meus funcionários: tem que pensar como patrão. Se pensa como vendedor, vai morrer vendedor. A gente tem que querer sempre mais da vida. Não sou egoísta e gosto quando vejo as pessoas progredindo”.
Hoje ela comanda mais de 250 funcionários e gosta de controlar tudo de muito perto. Um segundo centro de distribuição também está sendo construído para atender às necessidades da rede. “Eu não penso em expandir mais porque não quero que os negócios saiam do meu controle. Quanto mais a gente cresce, mais difícil fica para cuidar de tudo. Mas estou sempre mudando de opinião. Nada é definitivo”, afirma.
Sem vergonha de se expor
Quando resolveu mostrar sua empresa na televisão, ela se viu com um problema e logo veio a solução. Aliás, o raciocínio rápido da empresária impressiona. “Eu não tinha dinheiro para fazer inserções suficientes para me tornar conhecida. Precisei achar um jeito de me diferenciar”. Foi aí que ela começou a usar fantasias para anunciar seus móveis. A mais marcante, e que acompanha a marca até hoje, foi a de mulher-gato.
A loja Sylvia Design tornou-se conhecida graças aos comerciais de TV. Investir pesado em propaganda é um dos diferenciais da rede. E, como não poderia ser diferente, Sylvia é a grande estrela. Faz tudo de improviso nas gravações. Ela grita, pula e muge para anunciar um sofá de couro de vaca. Além, claro, dos já famosos “méééééaaauuuuuu” e “é só pra janeeeeeero”!
Foto: Amana Salles / FotoarenaAmpliar
Sapato rasteiro, só quando visita o Ceará
Mas que ninguém se engane: Sylvia Design é diferente de Sylvia Araújo. A primeira é um negócio. A segunda é a empresária que comanda tudo com mãos de ferro. Tem um tom de voz mais baixo que o usado nos comerciais. É teimosa e, muitas vezes, autoritária, como ela mesma reconhece.
A empresária sabia bem o risco que corria de ser ridicularizada. “Quem tem coragem de ir ao programa do Jô Soares vestida de mulher-gato? Eu tive. Eu sabia que podia dar muito certo ou muito errado. Tinha noção que muitos me criticariam, como alguns fazem até hoje. Se não for crítica construtiva, eu ignoro e pronto”.
Academia e drenagem
A morena bonita e muito vaidosa não gosta de falar sua idade. “Eu fico na base do ‘se me dão’. Se as pessoas me dão uns dois ou três anos a menos do que tenho, já estou lucrando”, diverte-se.
Sylvia diz que sua rotina mudou radicalmente há três anos, quando teve problemas sérios de estresse e estafa. Ela não conseguia mais se desligar dos problemas da empresa e nem dormir. “Eu fiquei muito mal. Queria apenas ter uma boa noite de sono. Meu médico me aconselhou a desacelerar um pouco e foi o que fiz”.
Desacelerou, mas nem tanto. Ainda trabalha 10 horas por dia. Sylvia acorda às oito da manhã e vai para seu escritório. Depois, visita algumas lojas e segue para a academia três vezes por semana. Também faz drenagem linfática. “Tenho uma genética muito boa. Nunca fiz muitos tratamentos estéticos”.
“Só uso rasteirinha quando vou para o Ceará, porque a cidade é de paralelepípedo e meu salto fica preso. Acho que a mulher fica mais feminina e elegante de salto alto. O meu eu não dispenso por nada. Eu realmente gosto muito de sapatos”. Quantos ela tem, não revela, mas está prestes a doar mais de cem pares que não usa mais.
Sylvia também gosta de restaurantes. Ela não dispensa comida nordestina e uma boa churrascaria. “Tem vários lugares que vou sempre com a minha família”. Mas, no fim, a rotina segue sendo simples. Pela primeira vez, planeja uma viagem ao exterior. “Nem passaporte eu tinha. Peguei o meu não faz muito tempo”. Agora ela quer visitar a Disney e Nova Iorque.

A ex-sacoleira que ficou milionária

Você já ouviu falar em Carla Sarni? Talvez não, mas as chances de conhecer a rede de clínicas odontológicas que ela fundou são maiores. A Sorridents, maior rede da América Latina, está presente em mais de 125 localidades do país. Em breve, este número aumentará para 160, já que muitas franquias vendidas estão em fase de implantação. Mas aos 37 anos ela quer mais. Está de olho no mercado de Portugal e Angola. O objetivo é um só: ser a maior do mundo no ramo.
“Sempre tive o dom para os negócios. Quando eu tinha uns 12 anos ganhei da minha mãe alguns carretéis com linha. Coloquei dentro de uma bacia e fui para a frente do mercado central da minha cidade. Levei duas cadeiras e ficava chamando as pessoas com a frase ‘entra, entra freguesia, chucha dinheiro na bacia’. Vendi tudo e comprei uma bicicleta cor de rosa”, conta a empresária com um bom-humor muito característico.
Roupas, bombons e garrafas de água
Ela vem de uma cidade pequena do interior de São Paulo, Pitangueiras. O pai era motorista de ônibus circular e a mãe vendia queijos e requeijão e, quando conseguiu juntar um dinheiro, comprou uma pequena loja onde começou a vender roupas. Carla cursava magistério pela manhã. Ela frisa que a única razão para estudar para ser professora era porque o curso era gratuito. Durante a tarde ajudava a mãe e no período noturno freqüentava as aulas do ensino médio, antigo colegial. Quando seu primo perguntou se ela não queria ir com ele para Minas Gerais prestar vestibular de odontologia, a vida da empresária tomou um novo rumo.
“Eu fui porque a inscrição não era cara e porque ele disse que ia ter muitas festas. Não achei que poderia ser aprovada”, confessa. Depois da boa notícia, veio o balde de água fria. A mãe, comerciante que contava o dinheiro no fim do mês e lutava para pagar as contas com o lucro da loja e o salário do marido, disse que não tinha condições de sustentá-la em outra cidade e ainda mais comprar os materiais didáticos tão caros que o curso exigia. Ela não desistiu e pediu permissão para tentar se manter sozinha. A experiência seria de apenas seis meses. Se não desse certo, Carla voltaria para sua cidade para terminar o magistério.
Foi então que ela começou a retirar roupas da loja da mãe e vender nas repúblicas de Alfenas, cidade mineira onde cursou faculdade. O período integral de estudos não desanimava a aluna. Depois das aulas ela visitava as casas de estudantes e vendia seus produtos. Quando as roupas acabavam, ela fazia bombons. Na época de vestibular, ia para a porta da faculdade vender garrafas de água. E desta forma ela se manteve no curso e ainda mandava o dinheiro que sobrava para ajudar os pais. “Fui apelidada de sacoleira, mas foi assim que eu me formei”, lembra.
Consultório em cima da padaria
Depois de se formar, Carla resolveu vir para São Paulo. Morava de favor na casa de um tio e começou a procurar emprego. Não foi aprovada num processo seletivo de um consultório que ficava em cima de uma padaria, na Vila Císper, zona leste da capital. Mesmo com a negativa, a empresária esperou todos os candidatos irem embora e reforçou ao dentista que, caso o profissional escolhido desistisse da vaga, ela precisava muito daquele emprego. Dias depois, ele a contratou.
“Depois de três meses, formava fila na porta por pessoas que queriam ser atendidas por mim”, afirma. Ainda na época que estava na faculdade sua avó e uma tia começaram a pagar um carnê de prestações para uma cadeira de dentista para Carla. Quando a cadeira saiu, ela informou o dono da clínica que iria embora. Foi quando ele lhe propôs que ela comprasse o consultório. Ela pagou 12 mil reais em 10 parcelas. E começou a expandir alugando as salas ao lado.
Enquanto trabalhava, pagava um consórcio de um automóvel. “Quando meu carro saiu, eu pensei: ‘vou deixar de ser pobre’. Mas, justamente nesta época, um imóvel perto do meu consultório foi colocado à venda. Eu dei meu carro como entrada e financiei o resto em 15 anos. Depois daí, tudo começou a mudar.
Faturamento de 104 milhões de reais
Em menos de 10 anos, Carla e alguns dentistas parceiros já possuíam 23 unidades da Sorridents. Em 2004, ela e o marido formataram o sistema de franquia e hoje a empresa é a maior do ramo, na América Latina, com 160 clínicas odontológicas. O faturamento do ano passado foi de 104 milhões de reais e o esperado para este ano é a quantia de 120 milhões.
Com o dinheiro vieram pesadas 16 horas de trabalho por dia, falta de tempo para atividades cotidianas, como ir ao mercado, e também para a família. Mãe de dois filhos, um de oito e outro de sete anos, Carla não participava mais da rotina das crianças. Há quatro anos, seu filho mais velho ficou dias internado numa UTI (unidade de terapia intensiva). Foi quando ela decidiu rever suas prioridades.
“Hoje a minha agenda depende dos meus filhos. Almoço em casa de duas a três vezes por semana e, durante o período de prova dos meninos, eu chego em casa às sete da noite e tomo a matéria até às nove. Depois volto a trabalhar lá mesmo. O fim de semana também é da minha família. A gente adora sair para comer fora, ir ao teatro e ao cinema”.
Tirando os filhos, o restante do tempo é dedicado integralmente aos negócios. A manicure e o cabeleireiro vão na sua casa e shopping nem pensar! “Só compro roupa ou sapatos quando realmente preciso. Não tenho tempo de ficar zanzando nas lojas. Também só pago o que considero justo. Não vou gastar cinco mil reais com uma bolsa aqui no Brasil, se posso comprá-la por menos da metade nos Estados Unidos ou na Europa”.
“Sou extremamente econômica”
O que mudou com dinheiro e sucesso? “Basicamente temos muito mais conforto. Além disso, posso viajar para todos os lugares que sempre quis conhecer. Não dá para tirar períodos longos de férias, mas quando podemos, eu e meu marido, pegamos as crianças e vamos passear. Hoje em dia eu até desligo o celular”, conta Carla.
A família também possui um “refúgio” para os fins de semana: uma casa dentro de um condomínio fechado no Guarujá, litoral de São Paulo. “Na praia a gente sai para andar de bicicleta com as crianças e curtimos muito este momento com a família”.
A empresária conta que é econômica por natureza. “Não consigo sair gastando dinheiro sem pensar. Sei que tive que renunciar a muitas coisas na minha vida pessoal, por isso dou muito valor a tudo que conquisto. Na minha casa, por exemplo, fazemos mercado às quartas-feiras, dia em que legumes e frutas estão em promoção. Meus filhos só ganham presentes em datas comemorativas e se eles quebram algum brinquedo, precisam juntar o dinheiro de suas mesadas para comprar outro. Eu sempre falo que não vou repor algo que eles não cuidaram. Acredito que eles dão muito valor ao que têm e que já entendem que é preciso trabalhar muito para ter sucesso e uma vida confortável”, completa Carla.

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